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Professora cria “pé de livro” e vence o Prêmio Educador Nota 10

O lema de vida da professora Rita Mozetti Silva, é “se eu não fosse professora, com certeza seria professora”. Isso porque sua mãe também seguiu essa carreira e enfrentava os inúmeros desafios de dar aula em uma escolinha rural – o ônibus a deixava em um ponto, e ela ia a cavalo até a escola.

“Ela me contava muitas histórias que me emocionavam muito. Depois que ela foi dar aulas em um espaço urbano ela me levava alguns dias para a escola e pude acompanhar sua trajetória mais de perto”, lembra Rita, que se encantava com o ato de escrever na lousa, conversar com as crianças e ensiná-los sobre o mundo.

O desejo de ser professora aumentava cada vez mais e o talento para ensinar seus alunos, que até então eram suas bonecas, aflorava. “Me recordo de pedir pro meu pai pintar uma lousa no quintal. Nas minhas aulas de faz de conta eu já tinha os livros de língua portuguesa, literatura. Esse faz de conta agora é realidade”, lembra a professora, que hoje dá aulas na escola EE Adalgisa de São José Gualtiérri, em Franca, São Paulo.

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Os contos de fadas lidos por ela quando criança e as histórias contadas pela mãe faziam com que tivesse mais certeza de sua escolha. Depois de formada e conhecendo a realidade das escolas públicas, Rita buscou na literatura uma forma de transformar o que era ensinado de forma engessada aos alunos.

Em busca de algo inovador para as suas aulas, ela cria o projeto Terças Literárias, que não foi apresentado imediatamente aos alunos. A intenção de Rita era que os pais também se envolvessem na leitura, a fim de discutir os livros com os filhos.

“Falei aos pais que eles escolheriam um dos livros que ali estavam, leriam e indicariam aos filhos. Houve um grande silêncio na sala de aula e na hora pensei que eles não aceitariam”, conta. No entanto, uma mãe se levantou e pegou o livro O Pequeno Príncipe, contando que já havia lido quando pequena, mas não tinha entendido. “Com toda a desenvoltura dela, uma outra mãe se levantou e disse que iria pegar também outro exemplar do mesmo livro, e assim mais duas mães quiseram pegar os outros. Nesse dia, de 33 pais, eu tive quatro que participaram e já dei isso como grande ganho”.

As mães, participantes ativas das terças literárias
© Foto: Rita Mozetti Silva/Arquivo pessoal As mães, participantes ativas das terças literárias

A semente nas Terças Literárias

Todas as terças-feiras, Rita abria a sala de aula aos pais e também à comunidade em geral. O momento de discussão das obras e de interação teve a participação das quatro mães já mencionadas e também de alguns avós, convidados de seus alunos. “Até um gari, que me viu abrindo o portão da escola para os pais, ficou curioso pra saber o que era. Eu contei e ele disse que queria participar. Isso foi me animando”, relembra.

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Os participantes discutiram sobre o livro O Pequeno Príncipe, e para surpresa de Rita, ela via alunos ansiosos para poder mergulhar na história e entender melhor sobre o que aquelas mães falavam. “Li alguns trechos do meu livro predileto, Dom Quixote, e esses trechos falavam sobre a importância dos livros, como os livros levavam ele [o personagem Dom Quixote] pra mundos distantes, e eles ficaram encantados”, explica a professora. “Eles faziam resenhas, diziam o que acharam do livro e liam para todos que ali estavam. Eu vi minha sala de aula se tornar um grande laboratório literário”.

Transformando os alunos em críticos assíduos, eles começaram a escolher suas leituras não pelas poucas páginas ou pela quantidade de desenhos. Os livros eram escolhidos pelo título, autor, e principalmente pela indicação dos participantes do evento. As salas de aulas ficavam pequenas para o quantidade de conhecimento produzido e a semente plantada na reunião de pais começou a germinar com muita força por toda a escola.

“Arrumei um carrinho de supermercado, enchi ele de livros doados pelos alunos, arrumamos um megafone e saímos pelo recreio da escola,. Formávamos sessões de literatura, um grupinho de alunos sentava e os meus alunos liam, apresentavam os livros, e se tornavam responsáveis por disseminar a leitura dentro da escola”, explica Rita, empolgada com a proporção que seu projeto tomou.

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© foto: Rita Mozetti Silva/Arquivo pessoal –

O envolvimento dos alunos era tão grande, que o projeto foi parar do lado de fora da escola. “Fomos pra uma pracinha e lá encontramos alunos e professores de uma escola de educação infantil. Distribuímos livros para eles e os alunos tiveram a oportunidade de reencontrar seus antigos professores. Nosso projeto saltou para as ruas de forma involuntária”.

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Pé de livros entre amigos

“Eu queria que meus alunos lessem livros como quem come frutas colhidas direto do pé”. Assim surgiu a ideia de pendurar os livros na árvore do pátio da escola, alimentando cada vez mais o desejo das crianças pela literatura. “Ao pegar aquela fruta, eles colheriam sabedoria, conhecimento e ampliariam os seus saberes”, aponta a professora.

Os alunos, claro, receberam a ideia com entusiasmo. Todos liam os livros ali, pendurados na árvore, e começavam a receber alunos de outras escola para compartilhar a novidade. “O nome do projeto é Pé de livros entre amigos, porque era ali, debaixo daquele pé de livro, que os conhecimentos foram colhidos, apreciados e compartilhados”.

O projeto de Rita, que saiu das escolas e ganhou as ruas, não parou de dar frutos. Junto aos pais e alunos, ela criou também o pedágio literário – eles iam até um semáforo com o carrinho cheio de livros e, quando o sinal fechava, as crianças distribuíam livros aos motoristas, com o objetivo de incentivar a leitura.

A tecnologia foi aliada na ampliação de suas idéias e logo os alunos ganharam espaço nos meios digitais. Foi criado o vlog literário, em que os alunos, pais e participantes das rodas indicavam livros e davam suas opiniões a respeito de cada obra.

Logo os feitos da professora foram reconhecidos fora da cidade de Franca. Ela foi selecionada pelo Prêmio Educador Nota 10 com o pé de livro. O prêmio, que acontece há 22 anos e busca reconhecer e valorizar profissionais das redes públicas, sempre foi o sonho da educadora, agora, realizado. “Participo desde a primeira edição, mas nunca venci. Fui muito resiliente, todos os anos eu tentava”, conta ela.

“Significa a realização de um sonho. Meus alunos dizem que eu sou nota 10, agora eu sou nota 10 comprovadamente. Eu me tornei incentivadora de outras pessoas, de outros professores. Outras pessoas vão se espelhar na minha prática, então fico feliz em inspirar outras pessoas em cada cantinho do país”, explica, animada. “A literatura é arte, e como toda arte, ela transforma pessoas. Por isso conseguimos esse sucesso todo, porque fomos transformados pela literatura”, diz Rita.

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FONTE:Cláudia
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