A greve de funcionários dos Correios completa um mês nesta quinta-feira (17) em meio ao aumento de reclamações sobre o serviço desde o início da pandemia do novo coronavírus.
As filas se tornaram comuns desde o dia 17 de agosto, quando a paralisação começou. Mas a imagem dos Correios já não vinha bem antes disso. A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, registrou aumento de 64% nas reclamações contra os Correios entre janeiro e agosto de 2020 na comparação com o mesmo período de 2019. De 3,6 mil, passaram para mais de 6 mil.
O levantamento usa dados do portal consumidor.gov.br e do Sindec, que integra hoje 26 Procons estaduais, do DF, e de 533 Procons municipais. Como os últimos dados são de agosto, apenas duas semanas da greve podem ser medidas – e agosto não é o pior mês. A curva de reclamações acelera em maio, junto com o início da retomada do consumo em meio à pandemia.
“Os Correios não estavam preparados para o aumento da demanda provocada pelo coronavírus. O consumidor não tem culpa e não pode ser prejudicado e tem direito à reparação dos prejuízos que tiver sofrido”, diz Fernando Capez, presidente do Procon de São Paulo.
O monitoramento do Procon-SP está em linha com a Senacon mas, mantido o ritmo das 756 reclamações registradas até o dia 14 deste mês, setembro pode se tornar o novo recordista.
A greve piorou o serviço e criou filas nas portas das agências, com clientes em busca de encomendas. Questionada pelo G1 sobre a melhor forma de proceder com entregas em atraso, a empresa recomenda que os clientes se dirijam às unidades para a retirada de objetos postais apenas quando constar no sistema de rastreamento a mensagem “Aguardando retirada”.
“O acompanhamento do objeto pode ser feito pelo site www.correios.com.br. Ao rastrear a encomenda, o cliente pode verificar se há ou não atraso”, diz nota. “Situações pontuais, quando reportadas à empresa por meio dos canais oficiais de relacionamento, são prontamente averiguadas e solucionadas.”
Os Correios indicam ainda que clientes podem entrar em contato pelos telefones 3003-0100 e 0800 725 0100 ou pelo endereço http://www.correios.com.br/fale-com-os-correios. O G1 tentou contato pelo telefone, mas a ligação caiu antes do atendimento pessoal.
Os Correios negam que as dificuldades no atendimento telefônico sejam efeito da greve e afirma que, para “preservar a saúde de seus empregados, a empresa está atuando com força de trabalho reduzida devido à iniciativa de redirecionar aqueles classificados como grupo de risco para o trabalho remoto.”
Adesão à greve
Segundo os trabalhadores em greve, a adesão foi de 30% do contingente, limitados por uma determinação judicial para que a parcela restante mantivesse os serviços de entrega. Para os Correios, ingressaram no movimento menos de 18% dos empregados da área operacional e, segundo o sistema de monitoramento da empresa, os números apresentam variação diária.
Os Correios dizem ainda que puderam manter os serviços por meio de mutirões, inclusive aos fins de semana e feriados.
Fim do imbróglio
A resolução do conflito vai ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), que julga a procedência das reclamações dos trabalhadores na próxima segunda-feira (21).
Liderados pela Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), os funcionários colocam-se contra o fim do acordo coletivo da categoria, que reduziu benefícios trabalhistas. Segundo a federação, a renda de trabalhadores chegou a cair 40% desde 1º de agosto e os Correios se negam a negociar. (Veja abaixo a linha do tempo)
Foram 70 cláusulas do acordo coletivo que deixaram de valer ou foram reduzidas, como a extinção dos 30% de adicional de risco, diminuição da licença maternidade de 180 para 120 dias e retirada do auxílio para filhos com necessidades especiais.
Por outro lado, a empresa diz que os sindicatos insistem em uma proposta “imprudente”, incompatível com a situação econômica do país. O enxugamento de benefícios, diz a estatal, geraria economia de R$ 800 milhões ao ano, justificada pela necessidade de recuperar prejuízo de R$ 2,4 bilhões acumulados em gestões passadas.
Em 2019, os Correios registraram lucro líquido de R$ 102,1 milhões segundo balanço divulgado em junho deste ano. O resultado ficou 36% abaixo do lucro de R$ 161 milhões obtido em 2018, mas foi o terceiro ano seguido de resultados no azul após quatro anos de prejuízos.
“A transformação da cultura de consumo global aponta para uma urgente necessidade de adaptação e inovação, o que requer dinheiro em caixa. Apenas investimentos inteligentes viabilizarão o posicionamento dos Correios como a melhor opção do mercado, prontos para competir em pé de igualdade com outros gigantes logísticos e, assim, garantir sua sustentabilidade”, diz a empresa em nota.
A ministra do TST Kátia Magalhães Arruda, designada relatora do dissídio coletivo, decidirá, ponto a ponto, quais reclamações serão mantidas ou invalidadas.
Linha do tempo
- Por que a privatização dos Correios promete ser a mais difícil do governo Bolsonaro
- 17/8 – Funcionários dos Correios entraram em greve em todo o país. Além de ser contra a privatização da estatal, a categoria reclama do que chama de “negligência com a saúde dos trabalhadores” na pandemia e pede que direitos trabalhistas sejam garantidos.
- 18/8 – A Fentect afirma que 70% dos trabalhadores aderiram à greve.
- 21/8 – O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a suspensão do acordo coletivo dos trabalhadores dos Correios a pedido da estatal. Uma liminar com esse mesmo teor havia sido concedida em 1º de agosto.
- 2/9 – O Tribunal Superior do Trabalho (TST) deferiu nova liminar em favor dos Correios para determinar que os empregados mantenham um mínimo de 70% dos trabalhadores ativos, em cada unidade da estatal, enquanto a greve continuar.
- 11/9 – Em audiência no TST, Correios e os trabalhadores da empresa pública não chegaram a um acordo. Com isso, o dissídio coletivo da greve será julgado no próximo dia 21 de setembro.
- 17/09 – Greve completa 1 mês, ainda sem um acordo entre as partes. Em comunicado, os Correios afirmam que menos de 18% dos empregados da área operacional aderiram à paralisação. Fentect promete carreatas de todos os estados para manifestação em Brasília no dia do julgamento das ações pelo TST.
Privatização
O governo busca sanear as contas dos Correios de olho em uma privatização do serviço. Segundo o ministro Fábio Faria, das Comunicações, empresas como Magazine Luiza, Amazon, DHL e FedEX teriam interesse no negócio.
Desde o início do governo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, demonstra sua intenção de vender a empresa. No ano passado, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos chegou a entrar em uma lista de 17 estatais que serão privatizadas ainda em 2019, mas o projeto, que precisava de aval do Congresso, não saiu.
O passo mais concreto para tal veio em agosto de 2020. A secretária do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Martha Seillier, afirmou que o governo federal deve encaminhar nas próximas semanas um projeto ao Congresso Nacional para acabar com o monopólio dos Correios nos serviços postais.
* (com colaboração de Rafael Miotto)