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Comércio com EUA cai ao menor nível em 11 anos

Com queda de 25% em relação a 2019, as relações entre Brasil e Estados Unidos fecharam o acumulado de janeiro a setembro em US$ 33,4 bilhões, a menor corrente de comércio bilateral para o período dos últimos 11 anos. A predominância de bens da indústria de transformação na pauta brasileira de exportação aos americanos, com participação importante de petróleo e derivados, contribuiu para uma queda de 31,7% dos embarques aos EUA até setembro e para um déficit de US$ 3,1 bilhões.

Os dados sinalizam para um déficit no comércio bilateral em 2020 que deve ser o maior dos últimos cinco ou seis anos, segundo dados do “Monitor do Comércio Brasil-EUA”, divulgado pela Câmara Americana de Comércio (Amcham Brasil). Ainda assim, os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, com fatia de 9,7% das exportações e 12,3% da corrente de comércio brasileiras. Em primeiro lugar, a China detém 34,1% das exportações e 28,8% da corrente de comércio. A Amcham projeta déficit entre US$ 2,4 bilhões e US$ 2,8 bilhões para este ano no comércio Brasil-EUA.

Em termos relativos as exportações brasileiras rumo aos EUA foram as mais afetadas em comparação a igual período de 2019. Até setembro os embarques somaram US$ 15,2 bilhões, o menor valor para o período desde 2010. Isso significa queda de 31,5% contra igual período do ano passado. “O ritmo é quatro vezes maior que o da retração de 7,7% da exportação total do Brasil”, destaca Abrão Árabe Neto, vice-presidente executivo da Amcham Brasil.

A pauta de exportação brasileira aos americanos, com 87,2% em itens da indústria de transformação, explica o maior impacto no comércio com os EUA. É um cenário bem diferente dos embarques à China, que ganharam espaço impulsionados por volumes e preços de commodities agrícolas. Nas vendas ao americanos, a commodity que influenciou foi o petróleo, mas com queda, já que o preço do óleo despencou em março e apesar da recuperação nos últimos meses, não alcançou o nível pré-pandemia. Entre os dez itens mais exportados aos EUA, o petróleo e combustíveis derivados correspondem hoje a 8,9% da pauta exportadora brasileira aos americanos.

Ao mesmo tempo, as importações brasileiras de produtos americanos caíram 18,7% considerando o acumulado até setembro contra igual período de 2019, para US$ 18,3 bilhões. O ritmo de queda se intensificou nos últimos três meses, aponta Árabe Neto. No primeiro semestre o desembarque de produtos americanos caiu 4,4%. No terceiro trimestre o tombo foi de 41,6% em relação a mesmos meses do ano passado, destaca ele. Em setembro, as importações com origem nos EUA foram as menores para o mês desde 2009.

Segundo Abrão Neto, a demora maior do efeito da pandemia nas importações se deve ao fato de que o desembaraço de mercadorias já contratadas e embarcadas antes da crise continuou sendo feito por algum tempo. Além disso, boa parte do comércio com os EUA é composta de trocas intra-companhia que podem ter demorado mais a refletir a queda de demanda.

“Foi um golpe muito duro nas trocas bilaterais, mas a avaliação é de que o fundo do poço já foi atravessado”, diz Abrão Neto, que foi secretário de comércio exterior no antigo Ministério do Desenvolvimento. Com a perspectiva de recuperação do comércio internacional de bens e serviços e a demanda que isso trará para o exportador brasileiro e americano, a expectativa é de recuperação gradual do comércio, embora ainda haja alguma dose de incerteza em relação ao comportamento da covid-19.

Outra variável que pode voltar a ganhar mais relevância é a tensão entre Estados Unidos e China. “Esse é um fator que vai permanecer durante muito tempo e que o mundo está incorporando como variável”, diz ele.

Essa variável, aponta Árabe Neto, é algo que não deve ser tão determinante para se analisar especificamente as relações Brasil-EUA, mas tem impacto no comércio internacional como um todo, já que essa tensão entre americanos e chineses traz instabilidade e sensação de segurança generalizadas. Ele lembra que em setembro do ano passado, há pouco mais de um ano, a projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI) para 2020 era de um crescimento menor de 0,8 ponto percentual para a economia global em razão das tensões entre China e EUA. Na época, ainda não havia a perspectiva de pandemia que depois transformou todo o cenário deste ano, ressalta o ex-secretário de comércio exterior.

Com uma esperada trajetória mais tranquila em relação à pandemia, a variável da tensão entre os dois países, portanto, volta à cena, afirma ele. A necessidade de ter uma postura dura em relação à China, avalia, é um consenso entre democratas e republicanos nos EUA. “Mas a forma como os americanos vão tratar isso, se de forma mais confrontadora ou conciliadora, deve fazer muita diferença”, diz Árabe Neto. Isso depende de quem estará à frente da Casa Branca a partir de 2021.

Entre os fatores de curto prazo que podem ser importantes na recuperação do comércio bilateral, diz Árabe Neto, estão a retomada do fluxo de viagens entre os dois países, importantes para negociação não somente no campo comercial como para investimentos. Além disso, a expectativa é de avanços ainda este ano em temas não tarifários do comércio com os EUA, como acordos para facilitação de comércio e práticas regulatórias.

Outra questão no curto prazo se refere ao Sistema Geral de Preferências (SGP) que tem término previsto em dezembro, nota o executivo da Amcham. Por esse programa determinados produtos são exportados por países menos desenvolvidos com tarifa menor ou zero a países desenvolvidos que concedem o benefício. Segundo Árabe Neto, os produtos da lista do SGP dos EUA correspondem historicamente a cerca de 10% das exportações brasileiras. E o Brasil, diz, representa 11% do que os americanos importam dentro do SGP.

Welber Barral, estrategista de comércio exterior do Ourinvest e ex-secretário de comércio exterior, diz que a análise do SGP já está aberta no Congresso americano, mas a decisão só deverá sair após as eleições americanas. Como os itens do sistema são insumos para a indústria americana, há interesse de empresas importadoras dos EUA em manter o benefício, que inclusive pode ter a cesta de itens modificada. Ao mesmo tempo, porém, há pressão de fornecedores de outros países beneficiados do SGP em retirar o Brasil do sistema.

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