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Ensaio à distância, pintura e novos protocolos: estratégias de fotógrafos da PB durante a pandemia

A pandemia do novo coronavírus afetou em cheio os planos de Nathalia e Isabella, fotógrafas de João Pessoa, que tiveram que buscar outros meios de continuar trabalhando. O uso de “cupons” e a criação de um “ensaio às cegas” foram ideias que permitiram às profissionais gerar renda no período. O Dia da Fotografia foi celebrado no último 19 de agosto.

Apesar de ter sido a única de duas irmãs com poucos registros fotográficos na infância e sem um álbum próprio, Nathalia Williany sempre teve curiosidade pela fotografia. Caçula da família, a fotógrafa relata que estragava todos os filmes de suas fotos antes mesmo de serem revelados. Por pura curiosidade, ela abria o compartimento do filme em ambiente iluminado e ficava encantada até mesmo com as falhas na imagem.

O encantamento passou a ser trilhado como um caminho profissional em 2019. Entretanto, as medidas de isolamento social levaram a uma mudança brusca em diferentes campos de trabalho. Foi um baque na renda da fotógrafa Nathalia, que começou a vender vouchers – um vale que pode ser usado para ensaios presenciais após a pandemia.

Nathalia disponibiliza seus trabalhos por meio de sua página no Instagram, onde também faz os contatos profissionais. “Com os vouchers eu consigo obter de imediato uma renda e alocar os ensaios para o pós isolamento, então foi uma estratégia que me salvou. Eu pude optar também por vender uma quantidade limitada de vouchers, pois eu continuo produzindo nesses ensaios previamente vendidos e não posso me acumular posteriormente”, explica a fotógrafa.

O trabalho de Nathalia, com viés politizado, busca permitir que a pessoa fale por meio da foto, realçando seus traços com o objetivo de democratizar e tornar acessível formas plurais de narrativas. Por conta deste enfoque, o contato com cliente é indispensável.

A fotógrafa recentemente voltou a realizar atividades presenciais, onde pode colocar em prática os ensaios vendidos previamente. “Precisei retornar às atividades, ainda que me limitando a sessões fotográficas que não ultrapassem o envolvimento de quatro pessoas, contando comigo”, relata.

Ela faz ensaios individuais, em dupla ou familiares, além de comerciais, sem aglomeração. Todos devem ocorrer em ambientes privados, como casa do contratante, escritório ou loja sem movimentação.

Atualmente, ela segue um protocolo da Everyday Brasil, uma organização nacional de fotógrafos. “O protocolo orienta manter distanciamento, higienização dos equipamentos e disponibilização de produtos antissépticos durante a sessão”.

Segundo Nathalia, os clientes receberam muito bem essa nova realidade, sendo compreensíveis e demonstrando confiança nas medidas. A profissional conseguiu fazer muitos agendamentos, mesmo em quantidades menores quando comparados com o período antes da pandemia.

Ensaios a distância

Isabella Diniz escolheu uma estratégia diferente. Fotógrafa de casamentos há 8 anos em João Pessoa, ela sempre foi fascinada por pessoas e suas histórias. No início da quarentena, um movimento de fotógrafos que estavam optando por sessões através de vídeo chamada chamou sua atenção. O que primeiramente era a forma de pagar as contas, deu à fotógrafa um “superpoder”, como ela chama: a invisibilidade, que poderia permitir um aspecto mais íntimos nas sessões.

A premissa parece muito simples. Isabella fotografa a tela do celular durante uma videochamada com clientes, enquanto dá direções para a sessão. Entretanto, a dinâmica se tornou um projeto maior, uma chance de capturar casais durante o cotidiano, de forma crua e emocional. “Retratos Íntimos” é uma série ensaios fotográficos autorais, onde a artista retrata as pessoas e o ambiente que elas estão, através de uma chamada de vídeo. Ela atende pelo seu site, onde posta seus ensaios e fecha contratos.

Além de apoiar financeiramente a fotógrafa, 15% do valor de cada ensaio é doado para Associação de Mulheres Travestis e Transexuais Transfeministas do Estado da Paraíba (Astrapa-PB). Ademais, a série para a artista não é somente um plano B. Nos trabalhos ela descobriu, na distância, uma forma de reviver sua forma de expressão mais potente e mesmo em isolamento social continuar se inspirando, produzindo e contanto narrativas.

Dar voz à criatividade

A necessidade de se sentir produtivo durante este período foi o estopim para o projeto criativo de Clóvis Gomis, onde ele mistura a fotografia com a pintura, através de técnicas de colagem e montagens, usando seus registros, aquarela e tinta óleo. “O processo das camadas é basicamente feito com as mãos. Pós pintura, eu digitalizo e levo para o digital, aí que experiência com retoque digital está sendo bem favorável”, explica.

Apaixonado por produção audiovisual desde a adolescência, Clóvis começou na fotografia aos 16 anos, quando teve a oportunidade de trabalhar em um grande estúdio fotográfico de João Pessoa. Na área há 8 anos, ele agora reside em Nova York, nos Estados Unidos, onde pretende se aprofundar mais estudando técnicas de iluminação e procurar algo mais específico em relação à fotografia publicitária.

Mudanças de hábitos na profissão

Isabella acha muito difícil prever o que vai acontecer com a fotografia após o isolamento social, mas é inegável o impacto que este período teve na área – que tendia a depender demais do contato físico e presencial.

“Olhando pelo viés da crise econômica, percebi um movimento de novas formas de renda entre os fotógrafos. Como venda de prints; lançamento de novos produtos, como álbuns; financiamento coletivo para algum novo projeto pessoal; editais… Na crise descobrimos que há outras possibilidades as quais ignoramos antes”, explica.

Para uma prática que depende tanto do contato com o cliente, a preocupação com a saúde e higiene é algo definitivo para Nathalia, principalmente para fotógrafos independentes. “Até porque serviços comerciais com fotografia continuam ocorrendo, facilitado pela garantia de recursos que zelem pela seguridade dos envolvidos, ocorrendo em estúdios adaptados às novas normas, por exemplo”, explica.

A fotógrafa vê o retorno durante a pandemia como um meio incerto e recente. Segundo ela, dois tipos de serviços permaneceram como demanda: ensaios para empresas e pequenos negócios e ensaios individuais. O único serviço que não teve tanta demanda foi a cobertura de eventos e festividades.

Apesar da boa recepção no retorno de seus trabalhos presenciais, ela não acredita que a procura será no ritmo anterior ao isolamento. “Muitas pessoas fazem ensaios com o intuito específico em ocupar espaços da cidade, e também eventos, mesmo que em pequeno porte, não estão permitidos de ocorrerem, muito menos serem registrados. Mas ainda assim, muitas pessoas continuam interessadas em fazer registros pessoais e profissionais, que não exigem alta exposição”.

Contudo, as possíveis mudanças podem atravessar o sentido prático e refletir no valor subjetivo da fotografia. Isabella percebe que a importância afetiva de fotografias como registros de história também ficou mais evidente, pois mostrou como muitos ainda se apoiam em memórias de um álbum de fotos pra trazer esperança, apesar de vivermos em uma rotina muito digital.

Por isto, colocar propósitos em prática e se comunicar através das redes sociais com quem admira seu trabalho, criando uma comunidade, é algo que veio para ficar. “A necessidade de utilizar a internet e as redes sociais para produzir conteúdos e estreitar os laços com quem consome o nosso trabalho foi crucial e vai continuar sendo cada vez mais”.

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FONTE:G1
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