Nada do que foi será. De novo do jeito que já foi um dia. Tudo passa, tudo sempre passará. A vida vem em ondas. Como um mar…’.
Foi usando máscara e cantando a música ‘Como uma Onda’, de Nelson Motta e Lulu Santos, que o ator Luiz Carlos Araújo levou esperança aos pacientes com Covid do Hospital de Campanha do Anhembi, na Zona Norte de São Paulo, entre junho e agosto de 2020. No último dia 11 de setembro de 2021, ele foi encontrado morto no apartamento dele, no Centro da capital paulista. A morte dele foi acidental, segundo a polícia.
Um vídeo que circula nas redes sociais mostra enfermeiros e médicos batendo palmas ao ouvi-lo no projeto voluntário do qual participou no ano passado durante um dos momentos mais críticos da pandemia de coronavírus. Quem filma se emociona.
“Os artistas, amigos cantores, colegas de profissão que podem cantar, tocar um instrumento, falar um poema no hospital… e as pessoas precisam muito. Tanto pacientes, como os profissionais de frente”, falou Luiz Carlos em outra filmagem.
“A arte é realmente poderosa. Porque quando eu canto nos hospitais, e eu posso olhar no olho de cada um dos pacientes, de cada um dos profissionais, e vejo quanto a música é generosa e quanto pode levar um pouco de carinho, de conforto, de esperança para cada um deles. Eu realmente fico até emocionado”, disse o ator em mais um vídeo.
As três gravações ocorreram no meio do ano passado. O hospital nem existe mais. Foi fechado. Mas as filmagens voltaram a ser compartilhadas nesta semana por amigos do artista após a sua morte (veja acima). Eles quiseram mostrar como o ator e cantor se preocupava com as outras pessoas fora das câmeras e do palco. Mesmo aquelas que ele nem conhecia.
Morte acidental
Luiz Carlos foi encontrado morto no sábado retrasado deste mês de setembro. Foi achado pelos amigos e pela polícia. Como não respondia mensagens por celular, foi preciso chamar um chaveiro para abrir a porta de seu apartamento na região central da cidade.
O corpo dele estava sobre a cama com a barriga para cima. Um saco plástico cobria a cabeça. Na quarta-feira (22) a investigação divulgou que o Instituto Médico Legal (IML) concluiu que a morte foi acidental.
De acordo com o documento, a causa da morte foi por asfixia e uso de drogas. Foi descartada a possibilidade de crime. E por esse motivo o caso deverá ser arquivado.
Segundo a polícia, o ator usou um saco plástico para tentar aliviar a ansiedade, numa polêmica técnica conhecida na literatura médica como re-respiração, que consiste em colocar um saco de papel na boca e assoprá-lo.
A perícia médica informou que essa asfixia associada ao uso de antidepressivos, bebida alcoólica e cocaína fizeram com que o ator perdesse a consciência e morresse.
Antes do resultado do exame, a investigação trabalhava com três hipóteses para a morte do ator: suicídio, assassinato e uso de substância tóxica. Amigos não relataram qualquer sinal de depressão de Luiz Carlos. A porta do imóvel estava fechada por dentro e nenhuma câmera gravou a entrada de qualquer pessoa no apartamento além do ator.
Carreira e amigos
Formado pela Escola de Artes Dramáticas da Universidade de São Paulo (USP), Luiz Carlos tinha 42 anos. Um dos seus trabalhos mais lembrados foi ter interpretado Vagner, irmão da professora Diana (papel da atriz Camilla Camargo) na novela ‘Carinha de Anjo’, do SBT, em 2016. Também fez o personagem Nacib na minissérie Dalva e Heriberto, da Globo, em 2010.
Além de ator TV, ele atuou em peças de teatro e comerciais, foi apresentador, locutor e cantor e uma das pessoas mais generosas que a atriz Marilice Cosenza conheceu.
‘Cara muito alegre, divertido, humano e generoso’, diz atriz e amiga”, falou Marilice, nesta sexta-feira (24) ao g1.
Ela tem 43 anos e conhecia Luiz Carlos havia pelo menos 17 anos. Além de atuarem juntos em diversos espetáculos, eram amigos. Se ele estivesse vivo, também faria 43 anos no próximo dia 22 de outubro.
“Eu fui uma das últimas pessoas a falar com ele. Falamos no domingo [5]. Ele disse que estava bem. Perguntou de mim também e a gente era assim: Um cuidando do outro sempre”, falou Marilice.
A generosidade de Luiz Carlos sempre extrapolou os palcos, segundo a atriz. Luiz Carlos chegou a cozinhar e distribuir marmitas com comida para moradores em situação de rua na capital durante a pandemia.
“Fizemos 50 marmitas para ser entregues as pessoas necessitadas, que estão passando fome. Passando fome … tá certo isso? Um país tão rico, cheio de recursos naturais, com pessoas com dinheiro pra várias gerações … é isso mesmo?”, chegou escreveu o ator em sua rede social em 2020. A ideia dela era incentivar outras pessoas a fazerem o mesmo.
Antes de morrer, Luiz Carlos estava ensaiando para um novo espetáculo de dança chamado Lilás, com músicas de Djavan. Numa das cenas que também circulam nas redes sociais, ele contracena com uma cadeirante.
“Ele que resolveu subir cedo para o céu. Que trate de cuidar de mim lá de cima agora e bem cuidado”, pediu Marilice.