O jornalista Mario Sergio Conti propôs, em coluna no jornal Folha de S.Paulo, um golpe militar para retirar do poder o presidente Jair Bolsonaro. O texto foi publicado nesta 6ª feira (26) no site da Folha (aqui, para assinantes), e, neste sábado (27.mar.2021), na edição impressa do jornal.
O título divulgado pelo jornal na internet é este: “Nata militar poderia, sim, derrubar Bolsonaro, mas precisaria ter coragem”. Na edição impressa o título é diferente e apenas alusivo: “O pocotó das valquírias“.
No texto, Conti cita Claus von Stauffenberg, conde e coronel do exército alemão na 2ª Guerra. Stauffenberg liderou uma tentativa de assassinato a Adolf Hitler em julho de 1944. O atentado foi malsucedido. Von Stauffenber e outros participantes do complô foram executados pelo governo nazista.
Conti exortou militares brasileiros a fazer o mesmo com Bolsonaro. Ele se referiu ao presidente como “o assassino em massa do Planalto”. Há uma referência implícita ao número de mortos no Brasil pelo coronavírus. São ao menos 307.112 vitimas até a publicação deste post.
Críticos de Bolsonaro atribuem a ele responsabilidade pela grande quantidade de mortes por covid-19. O presidente minimizou a pandemia em diversos momentos. Opôs-se às medidas de isolamento social implantadas por governadores e prefeitos. Essas regras são consideradas por especialistas necessárias para conter a transmissão do coronavírus. Há queixas também de o governo ter demorado para comprar imunizantes.
Conti afirmou em seu texto que a cúpula das Forças Armadas poderia remover Bolsonaro do poder. Para isso, diz, precisaria ter “coragem” como os oficiais alemães que tentaram matar Hitler. Eis os últimos 2 parágrafos da coluna:
“A nata militar poderia, sim, derrubá-lo. Mas ela teria de ter aquilo que sobrava entre os da estirpe de Stauffenberg —coragem, noção de pátria, civismo, a crença que a derrota é o de menos. Numa palavra, heroísmo. Ao receber a ordem de fechar o Congresso, o herói responderia ao vilão:
‘Não. O senhor e sua família têm uma hora para ir ao aeroporto, onde um avião da FAB os levará a Israel. Se se recusar, será preso, processado e julgado por genocídio’.”
O autor, entretanto, no final do texto fez uma ressalva. Dá a entender que o processo teria de ser algo reativo. Afirmou que os militares brasileiros deveriam tomar a atitude ao receberem “a ordem de fechar o Congresso“. Como Bolsonaro, ele próprio, nunca propôs durante seu período como presidente o fechamento do Poder Legislativo, o autor poderia argumentar que não quer um golpe militar sem que esse gatilho anterior tenha sido acionado pelo próprio titular do Palácio do Planalto. Ocorre que o texto inteiro de Mario Sergio Conti, exceto o último parágrafo, foi na direção de defender um golpe militar contra Bolsonaro.
Mais do que isso, no título da Folha em seu site, reproduzido nas redes sociais quando alguém compartilha o texto, a proposta é bem explícita, sem ressalvas:
Quem é Mario Sergio Conti
O jornalista Mario Sergio Conti nasceu em 1954. Tem 67 anos. Quando jovem, militou num grupo do movimento estudantil chamado Liberdade e Luta (Libelu), que existiu no final dos anos 1970 e início dos 1980. Era uma organização que se dizia inspirada em Leon Trostky, um dos líderes da Revolução Russa de 1917.
Conti trabalhou no início de sua carreira no jornal Folha de S.Paulo e na Veja –na revista, chegou a diretor de Redação. Apresentou depois o programa de entrevistas Roda Viva, na TV Cultura, emissora pública do Estado de São Paulo.
Ao deixar Veja escreveu o livro “Notícias do Planalto“, em 2000. A obra descreve como foi, aos olhos de Conti, a relação entre imprensa e o presidente Fernando Collor de Mello (que foi eleito em 1989 e depois perdeu o mandato em 1992, num rumoroso processo de impeachment).
De maneira resumida, o autor de “Notícias do Planalto” adota uma narrativa simplista dando a entender que foi responsabilidade de jornalistas a eleição do ex-presidente, em 1989. Ao longo do livro, o leitor é induzido a acreditar que repórteres e editores incumbidos de acompanhar o processo não teriam feito o trabalho de maneira eficiente e completa, colaborando para que Collor fosse o escolhido na 1ª eleição direta para Planalto desde 1960. Ao mesmo tempo, são poupados por Conti os donos dos meios de comunicação. Incluindo famílias como Frias, Marinho e Civita, para as quais passou a trabalhar logo depois –ele hoje continua escrevendo para os jornais Folha e O Globo, além manter um programa de entrevista do canal GloboNews.
Em 2014, durante a Copa do Mundo realizada no Brasil, Conti protagonizou um episódio constrangedor, que poderia resultar em demissão em alguns veículos de mídia. A bordo de um voo na ponte-aérea Rio-São Paulo, ele entrevistou um homem que achou ser Luiz Felipe Scolari, então técnico da seleção brasileira. Depois de o texto ser publicado nos sites dos jornais Folha de S.Paulo e O Globo, o escritor descobriu que havia falado apenas com um sósia do treinador.
O homem que se passou por Scolari era Vladimir Palomo, que à época ganhava a vida fazendo imitações. No mesmo avião, ao seu lado, havia um sósia do jogador Neymar, que também foi citado no texto como sendo o verdadeiro. Depois de publicar o texto com a entrevista, o jornalista ficou sabendo que o Felipão real estava em Fortaleza –cidade na qual estava concentrada a seleção brasileira de futebol. O curioso é que bastaria ler os jornais naquele dia da suposta entrevista para inferir que seria impossível o treinador e o jogador estarem num voo da ponte-aérea Rio-São Paulo.
Depois do erro, a Folha e O Globo retiraram a “entrevista” errada do ar e publicaram esta correção: “Diferentemente do que foi publicado, o técnico da seleção brasileira, Luiz Felipe Scolari, não falou com o colunista Mario Sergio Conti. Quem falou ao jornalista foi um sósia do treinador, Vladimir Palomo. Felipão não estava em um voo do Rio para São Paulo. Ele passou o dia em Fortaleza. Mario Sergio Conti pede desculpas a Scolari, a Palomo e aos leitores pela confusão“.
Assinantes do jornal O Globo podem ler a íntegra da coluna que resultou da confusão do jornalista neste link.
Ao ser indagado pelo site Observatório da Imprensa o que teria a dizer sobre o episódio, Conti respondeu: “Perdão pela confusão. Felizmente, ela não prejudica ninguém. Não afetará a Bolsa, a Copa ou as eleições”.