O art. 142 da Constituição Federal de 1988 estabelece o seguinte:
“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.” [1]
Destaquei duas características que sozinhas arruínam a tese de que as Forças Armadas exerce um “Poder Moderador”. Em primeiro lugar está “sob a autoridade suprema do Presidente da República”, ou seja não exerce o seu poder deliberadamente por não ser um Poder constituído pelo qual se baseia a República.
A tripartição dos poderes não deixa margem para a formação de um quarto poder que tenha a supremacia sobre os demais. E neste ponto convém lembrar o que disciplina o artigo 2º, que diz:
“Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”
Portanto não detém essa característica de “Poder da União”.
Em segundo lugar temos o fato de que as FORÇAS ARMADAS destinam-se à defesa da Pátria e á garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
Garantir a lei e a ordem, do ponto de vista constitucional, não coloca as FORÇAS ARMADAS na posição de moderador.
Até mesmo o ilustre Ives Gandra Martins, que defende a tese do poder moderador em artigo publicado no CONJUR (site de publicações jurídicas), ao discorrer sobre o assunto ora abordado, adverte:
O dispositivo jamais albergaria qualquer possibilidade de intervenção política, golpe de Estado, assunção do Poder pelas Forças Armadas. Como o Título V, no seu cabeçalho, determina, a função das Forças Armadas é de defesa do Estado E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS. Não poderiam nunca, fora a intervenção moderadora pontual, exercer qualquer outra função técnica ou política. Tal intervenção apenas diria qual a interpretação correta da lei aplicada no conflito entre Poderes, EM HAVENDO INVASÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA OU DE ATRIBUIÇÕES. [2]
Perceba que a moderação citada por MARTINS é pontual e deve ser suscitada por outro PODER.
Mesmo assim, na minha singela opinião, devemos ter cuidado com esse tipo de interpretação, pois dela advém os perigosos conceitos de intervenção militar de forma absoluta e autoritária, atrelando-se ao argumento de defesa da Constituição.
Na contramão de MARTINS temos o, também ilustre jurista e renomado professor Lênio Streck que o contraria dizendo:
“Pois bem. O dispositivo trata simplesmente da exceção na missão das FA, isto é, elas — as forças armadas — podem ser usadas também na segurança pública. Nada mais do que isso!
E tem mais uma coisa: para que as FA possam ser usadas na segurança pública, têm vários requisitos. Isso se depreende dos artigos 34, III, 136 e 137 da CF. Na verdade, essa “intervenção das FA” está já regulamentada pela GLO, que tem justamente o nome de Garantia da Lei e da Ordem, bem assim como diz o artigo 142 (basta ver a LC 97/99 e o Decreto 3.897). Simples assim. Ademais, há sempre possibilidade de rigoroso e amplo controle legislativo e jurisdicional. Basta ler, com boa vontade, os dispositivos. Portanto, não basta “chamar as FA” para intervirem, como querem fazer notar Ives Gandra, Mourão e alguns outros políticos e pessoas da área jurídica.”[3]
No mencionado artigo STRECK deixa claro que não se pode dar, ao artigo 142 a interpretação que cada um quiser.
É um perigo interpretar a Lei de acordo com a sua vontade, moldada às suas necessidades. Essa liberdade hermenêutica não é dada a nenhum cidadão, por mais conhecimento técnico-jurídico que ele detenha.
Sou pela linha de raciocínio do STRECK, não existe essa de as FORÇAS ARMADAS exercerem um Poder Moderador. E assim penso tão somente ao analisar o que disciplina o artigo 1º, Parágrafo único da Constituição Federal de 1988, que assim disciplina:
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. [4]
No preâmbulo da nos Constituição Federal já encontramos a expressão ‘ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, que nos induz ao fato de que a nossa Carta Magna veio para estabelecer um regime democrático.
A Democracia é o poder do povo. Ou seja a soberania é popular. Quando a Constituição diz “todo o poder emana do povo” é exatamente pelo fato de que os três poderes constituídos – Executivo, Legislativo e Judiciário, o são por força da vontade popular. O Executivo e o Legislativo diretamente pelo sufrágio universal, ou seja, o voto. O povo elege os seus representantes e o Executivo de forma indireta, pois todos os seus componentes, em qualquer das esferas, necessita ser sabatinado pelos representantes políticos, eleitos pelo voto direto.
Não vemos essa situação nas Forças Armadas que tem o seu comando de acordo com a hierarquia interna e é, à luz do art. 42 da Constituição Federal uma instituição organizada com base na hieraquia e disciplina.
Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.[5]
Voltamos então ao art. 142 que determina que as Forças Armadas estarão sempre sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
Portanto inexiste, de fato, esse tal poder moderador que hodiernamente se quer atribuir às FORÇAS ARMADAS.
É inadmissível pensar que uma Constituição denominada pelos próprios constituintes de “A CONSTITUIÇÃO CIDADÔ possa ter sido redigida dando uma margem de pensamento para o retorno do Governo Militar, sem o exercício do voto.
É medonho perceber que algumas pessoas possam ir às ruas solicitar que tal absurdo seja perpetrado sob o argumento da manutenção da lei e da ordem.
De que ordem esses indivíduos estão falando?
Permita-me a ironia. Será que estão pensando que essa ordem legal advém do termo “ordem” no sentido de “mandar” ?
Enfim, atacar as instituições na forma que tem sido feita é inadmissível, como é inadmissível interpretar a Constituição ao seu bel prazer.
Ver o povo clamar por um GOLPE DE ESTADO, INTERVENÇÃO MILITAR já é um tanto quanto estranho. Mas o pior disso tudo é afrontar as instituições, destoando dos princípios constitucionais e querer dar à Lei Maior um sentido que ela não tem e nunca teve. Não num Estado Democrático.
Nesse sentido vejo sim a necessidade das Forças Armadas agirem obedecendo ao que disciplina o art. 142, ou seja, por iniciativa de qualquer dos três poderes constituídos garantir a lei e a ordem, fazendo com que manifestações acintosas ocorram pelo país, pondo em risco a segurança de autoridades legitimamente instituídas e a liberdade do povo.
Em outro artigo publicado pelo site CONJUR, o Professor STRECK afirma categoricamente:
“…a lei e a ordem a serem garantidas são as das próprias instituições democráticas (Título V da CF). Esse é o ponto chave. As FAs não são o fiel da democracia. Ou seja, elas não podem intervir a qualquer momento. Uma leitura dessas é totalmente inconstitucional e antirrepublicana. [6]
Não queiram dar a lei a interpretação que lhes for conveniente.
Não faço essa crítica por ser de esquerda, de direita ou de centro. Não me interessa isso nesse momento. A liberdade no Brasil custou caro.
Quando critiquei o então Juiz Sérgio Moro em suas decisões midiáticas, não foram em razão do réu ser quem o era. Nem me interessei nisso. Apeguei-me ao fato de que o juiz, enquanto julgador, agisse como “Boca da Lei” e não como legislador criando fundamentos legais inadmissíveis e se utilizando do “ativismo judicial” para utilizar procedimentos legais inadmissíveis, condenando sem provas, vazando áudios, realizando conduções coercitivas sem que o réu sequer tivesse apresentado qualquer resistência na prática dos atos processuais, prisões sem que o devido processo legal tivesse o seu desfecho final, e tantas outros fatos jurídicos que ocorrerão no decorrer do tempo em que o Sr. Moro esteve à frente da Operação Lava Jato.
Pois é não me interessa o lado político. O que quero salientar, insisto, é a observância dos princípios constitucionais. Nossa Constituição tomou por base a soberania popular, a preservação da liberdade, a segurança e o bem-estar do povo brasileiro.
Como disse, não consigo entender como podem esses que clamam por um Golpe de Estado através de uma intervenção militar, fundada erroneamente no art. 142 da Constituição Federal, sendo que as Forças Armadas não detém tamanho poder e, ao contrário do que pensam estes incautos, está subordinada aos três poderes da República, sob a autoridade da presidência mas ao dispor do Judiciário e do Legislativo, tão logo necessitem manter a ordem destas. Como bem disse STRECK as Forças Armadas “não podem intervir a qualquer momento. O artigo 142 afasta a possibilidade de ação autônoma das Forças Armadas sem a subordinação a um poder civil”
Portanto, que fique bem claro que não há qualquer dispositivo constitucional que autorize uma intervenção militar. Muito pelo contrário, a Constituição Federal está repleta de dispositivos que protegem a manutenção do Estado Democrático de Direito.
Obedeçamos portanto o que disciplina a nossa Constituição, a lei maior. É a lei.
Dura lex, sed lex.
Emanoel Messias Dias da Silveira
Advogado, Professor Honorário da Escola Superior da Advocacia de Pernambuco – ESA/PE e Vice-presidente da OAB Subseccional Palmares.
[1]Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
[2]Ives Gandra da Silva Martins https://www.conjur.com.br/2020-mai-28/ives-gandra-artigo-142-constituicao-brasileira
[3]LÊNIO STRECK – https://www.conjur.com.br/2020-mai-21/senso-incomum-ives-gandra-errado-artigo-142-nao-permite-intervencao-militar
[4]Constituição Federal – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
[5]Constituição Federal – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
[6]Lênio Streck – https://www.conjur.com.br/2020-mai-07/senso-incomum-interpretacoes-equivocadas-intervencao-militar